Olá meninas. Hoje enfim assisti o famoso documentário Good Hair, do Chris Rock,( aquele do Todo mundo odeia o Chris!), está disponível no Netflix. Produzido em 2010 o documentário começa com Chris contando sobre suas duas filhas, Lola e Zahra, ele diz o quanto elas são as menininhas mais lindas do mundo, porém percebe que isso não é o suficiente quando sua filha Lola lhe pergunta: "Papai, por que o meu cabelo não é bom?",  "Eu queria saber de onde ela tirou essa ideia?", responde Chris. Lola é só mais uma que repete essa mesma pergunta entre todas as meninas negras que conheço. Maaas, "quem definiu que o nosso cabelo é ruim, de onde surgiu isso tudo?" Foi para responder essas nossas perguntas que Chris Rock foi investigar o mundo por trás do tal "cabelo duro, cabelo ruim, pixa-in, ou bombril!".
Isso seria apenas mais uma indicação legal e muito válida de facebook , porém, ao me deparar com fatos tão incrivelmente assustadores sobre a indústria cosmética que os negros consomem  (cerca de 9 bilhões de dólares ao ano) não pude deixar que esse assunto fosse irrelevante, isso é algo que cada uma de nós precisa saber, pois está intrinsecamente ligado a todas as nossas angústias capilares desde à infância.
gif animado beleza cabelos cacheados

"Quando eu era menor achava o cabelo de todo mundo bom, menos o meu. Era isso que eu considerava cabelo bom, cabelo de gente branca" - Melyssa Ford

"Você olha as revistas e quer ser como aquela garota. E tem uma fantasia onde imagina: se eu alisar o cabelo, de repente ele vai crescer com movimento, ficar solto e eu terei este cabelo. Na verdade, nós  nunca tivemos este cabelo, mas não sabíamos disso, " - Vanessa Bell Caloway

Esses depoimentos são de duas mulheres negras famosas que assim como cada uma de nós, passou por esses mesmos conflitos. No documentário isso é ecoado aos quatro cantos do Harlem, do Brooklyn/NY ou de cada salão de cabeleireiro que Chris documenta. Mulheres que lotam salões em busca de cabelos mais aceitáveis, custe o que custar. Andamos pelos salões em busca da melhor progressiva, o melhor relaxamento e pagamos o que for necessário para que o nosso cabelo fique domado. Estamos sempre em crise. Se temos cabelo alisado, não é liso o suficiente. Se temos cabelos relaxados, é seco demais. Se temos cabelos permanentados, os cachos são falsos demais. Tudo que uma negra faz com o seu cabelo nunca parece ser o suficiente para o que a sociedade impõe, eu particularmente, só entendi isso quando liguei o 'foda-se' para os padrões e decidi que o cabelo que combina comigo é o cabelo que está nas minhas raízes.  E isso não se trata apenas de uma auto imagem embaçada sobre nós mesmas que foi mal influenciada por décadas, isso se trata de uma indústria megalomaníaca, onde nós, negras, consumimos oitenta, isso mesmo, OITENTA por cento de todos esse mercado de produtos, alisantes, cabelos humanos ou sintéticos e milhões de outras coisas que só quem tem cabelo crespo sabe que existe no mercado. Nos oprimir pelo cabelo que temos é apenas um plano de marketing muito bem bolado e sustentado por décadas para nos iludir a consumir, consumir e consumir.

"Se entrasse num armário do banheiro de uma mulher negra, veria entre 30 e 40 produtos diferentes. Ela experimenta constantemente coisas novas, tentando aperfeiçoar a solução." - Scott Julion

"Mentalmente eu acho que muitas mulheres negras estão nessa luta para conseguirem o cabelo mais liso possível tentando se encaixar no visual europeu, quanto mais liso o cabelo melhor e fomos treinadas com essa mentalidade desde criança " - Dr. Melanye Maclin-Carroll

"Se seu cabelo estiver alisado, o branco ficará relaxado. Se seu cabelo for sarará, ele se irritará." - Paul Mooney

"Se você quer mesmo alisar o cabelo é uma sessão de tortura. Você quer que ele fique o mais liso possível então começa sentir seu coro cabeludo queimar, mas pensa: só mais um pouquinho, mais um pouquinho, mais um pouq....Ohhh my God! Enxágua, enxágua, enxágua! " - Ice-T


Quem nunca passou por isso dentre nós que atire a primeira química. OMG! só quem tinha uma espinha no couro cabeludo e deixou o relaxante ou alisante tempo demais sabe o que é sentir a pele pegar fogo de verdade. A dor de queimadura química é inexplicável e não é de se esperar menos, o hidróxido de sódio é tão potente que em dose maiores pode derreter uma latinha de refrigerante, e se inalado continuamente, pode causar sérios danos ao pulmão. E nós, usávamos como se fosse shampoo a cada dois meses. O risco que esse produto oferece a nossa saúde pode causar um dano que te fará esquecer a importância da beleza, e te lembrará a importância da vida. Todos os produtos químicos que usávamos para alisar o cabelo, contém químicas pesadas que se forem manuseadas por uma pessoa que não tenha muita experiência, pode causar uma queimadura tão séria, que nunca mais nasceria cabelo naquele lugar da queimadura. Ohh, obrigada Senhor por ter me dado apenas cabeleireiras abençoadas naquela época! kkkk

QUANTO VALE SUA AUTOESTIMA?

O documentário mostra uma Associação Negra de Fornecedores de Produtos de Beleza que participa da feira que acontece em Atlanta á mais de 60 anos, O Festival de Cabelo dos Irmãos Bronner, eles apresentaram um fato que me surpreendeu, em 100 fabricantes de produtos destinados à beleza, apenas 20 empresas são de proprietários negros, o restante pertence aos asiáticos. E por ser um mercado que tem uma margem de lucro de bilhões de dólares, é quase impossível que um negro consiga comprar ou tornar seu produto famoso ao competir com marcas tão fortes como Revlon e  L'Oréal, que atualmente são as marcas detentoras da maioria de empresas que outrora pertenciam à fabricantes negros.
"Ahhh Karol, mas por que é importante que o fabricante seja negro?" Digamos que se um produto for fabricado por negros para a comunidade negra, ele será pensado para que corresponda aos anseios do consumidor, e que estejam dentro do padrão de segurança afinal, a filha negra do fabricante pode querer usar o produto algum momento também não é? Mas se o fabricante é branco, e NUNCA entenderá o que é ter cabelo crespo, o que ele visará em primeiro lugar? Penso eu que apenas o lucro, e levará em conta os padrões de segurança apenas por estarem estabelecidos na lei. Então, a importância de termos empreendedores negros nesse ramo se trata de auto proteger e 'alimentar' a própria comunidade consumidora. Mas, infelizmente podemos ver que cada negra que opta por alisar o cabelo, é apenas mais uma consumidora que leva nas costas e financia com o próprio suor esse tipo de capitalismo feroz.


APLIQUES PARA QUE TE QUERO!

Como vocês podem ver aqui, eu já coloquei aplique no cabelo,

gastei exatos R$ 1.500,00 reais para sentir ao menos uma vez na vida, meu cabelo balançar com a brisa do vento. Aí ao lado estou eu, me sentindo linda a cada reflexo nos espelhos da cidade. Meu cabelo comprido até o meio das costas sustentava minha auto confiança e minha beleza falsificada, era linda? Sim, eu ESTAVA linda, mas não era eu, era o cabelo de outra pessoa substituindo o meu. Eu nem conseguia imaginar o quanto isso era valioso para esse tipo de indústria, e o quanto era podre ao mesmo tempo.
O mercado de cabelos para aplique é notavelmente crescente ao longo dos anos. Sempre houve esse tipo de comércio, desde mil novecentos e bolinha nossas tataravós já usavam peruca, que é praticamente a mãe do aplique. As técnicas de hoje em dia são diversas. Colado, amarrado, trançado e lá vai ideias para esconder a sua beleza e implantar outra por cima dela.


Como podemos ver no documentário, muito do cabelo comercializado na Índia é cabelo de "templos". Como atestado de fé Hindu, os devotos sacrificam seus cabelos ao deus "Vishnu" num processo chamado de "Tonsura",  homens e mulheres jovens têm seus cabelos raspados, e isso tem sido causa de controvérsias.  O templo Hindu, localizado nas colinas verdejantes da cidade de Tripalu, recebe cerca de 20 milhões de peregrinos por ano. A manutenção do templo custa R$245 milhões anualmente. A maior parte da renda vem da venda de cabelo humano. De acordo com o site "Britain's Daily Mail Online", muitos desses fiéis devotos não sabem dos milhões que o templo consegue com os cabelos coletados ali, e nenhum devoto recebe parte disso.  O cabelo então é misturado, lavado e tingido para o mercado. Devido a práticas como essas, muitas pessoas decidiram parar de usar extensões de cabelo. Então vejamos, nós anulamos o nosso próprio cabelo, pagamos caríssimo para colocar outro por cima e ainda somos coniventes com o roubo transvestido de prática religiosa? Tudo isso em nome de quê? Da beleza ditada pelos nossos opressores. 

"Imagina se fôssemos a outra comunidade e começássemos a vender algo que só eles usam, a pergunta é: se eles chamariam a polícia ou nos matariam?
mas na nossa comunidade vale tudo! Acho que grande parte disso é nossa culpa porque ninguém mais precisa de produtos para cabelos negros além de nós mesmos, então se nós não podemos controlar algo que só é usado por nós isso é um verdadeiro retardo mental econômico. Não é de se espantar que as escolas e a comunidade negra estejam descontroladas, você acorda e penteia as opressão e a exploração todas as manhãs, ou você costura a exploração econômica na sua cabeça, ou você veste, ou coloca-a no criado mudo: 'aqui está meu símbolo de exploração econômica', e acorda no outro dia e veste a exploração de novo. Como você pode pensar direito vestindo a exploração o tempo todo? É uma necessidade básica, recapturar o fato de que não podemos controlar algo tão próximo a nós como o cabelo da nossa cabeça" - Reverendo Al Sharpton

A necessidade de alisarmos o cabelo vem impregnada em nós desde que nos
reconhecemos no espelho. Meu primeiro alisamento foi com 6 anos para a formatura do pré, AmaciHair e um bom creme de pentear era tudo que eu queria. E desde então, me reconhecer no espelho tinha a ver com química, chapinha, secador e fugas de chuvas inapropriadas.
Hoje, depois de anos lutando contra as minhas raízes, consigo entender que o ódio que depositaram em nós contra nossa própria beleza, é a maior violência que puderam fazer com o povo negro. Não gostamos do que vemos no espelho, porque o que a TV nos mostra é uma enxurrada de beleza branca, européia. E sabe porque eu não canso de falar sobre isso, porque ainda é um assunto questionável para mim. Se vocês soubessem em quantas vezes eu penso em alisar o meu cabelo em um único dia entenderiam que para mim isso é um tema que ultrapassa a moda de cabelo black, isso é algo que eu consigo ver impregnado em mim, e sei que ainda está em muitas meninas, e mais,  não quero que isso esteja na geração de meninas negras que virão.
Se sentir inferior tem sido algo implantado em nós desde a escravidão. As algemas mudam, as senzalas se tornam favelas, mas o desejo de nos oprimir e desqualificar o que é nosso por herança de nossa raça é contínuo por parte dos nossos opressores.
Meninas, nesse documentário podemos ver que não se trata de cabelo bom ou cabelo ruim, se trata de negócios, de dinheiro, e como sempre, somos o produto comercializado, o maquinário que faz a roda girar, e a mão que paga é a mesma que produz.
Não alisar o cabelo ultrapassa o limite do se sentir livre, se torna uma revolta literalmente "armada" contra os que querem nos amansar, os panteras já sabiam disso e se mantiveram firmes em todos os sentidos. Hoje a liberdade nos foi dada pelas mãos deles que lutaram pra que cada uma de nós, mulheres negras pudéssemos escolher, por isso, escolha honrar a luta e ser o que você é, linda, legítima, se arme, arme seu cabelo e seja um fator de mudança contra os novos tipos de corrente que querem nos submeter, não se trata de cabelo, se trata de liberdade, de poder, de autoestima à mulheres negras e enfim, de sabermos que lindo é ser você e amar a pessoa que sorri pra você no espelho.

A Armada, Karola.

Referências: 

• Documentário Good Hair, Chris Rock's, 2010.

• http://www.dailymail.co.uk/indiahome/indianews/article-2154238/A-growing-industry-Devotees-spawn-empire-millions-donating-hair.html

• http://fmyhair.com/2013/01/07/did-you-know-in-india-hair-worth-more-than-gold/