"Um dia estava no metrô quando uma mulher jovem, negra que estava sentada ao meu lado virou para mim espontaneamente e perguntou:
- Como você fez para deixar seu cabelo assim?
Ela se referia as madeixas crespas que formavam meu cabelo estilo ‘black’ que por cerca de quatro anos tenho cultivado.
E continuou:
- Nossa, eu acho lindo, mas não tenho coragem. Você me entende?
E como eu entendo! Ao olhar para aquela mulher eu me via, me ouvia. Eram ecos de um discurso que há uns bons anos atrás também me constituía. O que aquela pergunta me fazia recordar era sobre meu processo de transformação. A visão que tive foi como uma fotografia do antes e depois. Naquele instante, ao mesmo tempo que olhava para ela, me perguntava o que afinal eu fui fazendo para mudar? Ou melhor, por que eu quis mudar?
Simples. Bem, na verdade, não foi tão simples assim. A primeira coisa que fiz, foi ir provocando a modificar o meu olhar sobre o mundo. E assim ir aprendendo sobre os sentidos daqueles cabelos “esquisitos”, “pra cima”, “ desarrumados”. Com este olhar em transformação comecei a perceber que poucas propagandas, produtos, modelos realmente representavam minha estética natural. Eu não me encaixava naquele padrão liso, loiro…etc e talz. E neste processo, me conhecendo melhor, não estava querendo mais me adaptar a estes moldes impostos. Desta maneira, ao invés de entrar desesperada num salão, um dia parei, pensei e fiz diferente. Intuo que foi uma vontade forte de tentar fazer de outra forma. De não me sentir mais presa a um compromisso com a cadeira do salão, com aquele bafo quente do secador, com as feridas no couro cabeludo provocadas pela química forte, com os rios de dinheiro que iam embora todo mês para “arrumar” meu cabelo. Enfim, ao invés de passar por tudo isso mais uma vez, optei por observar outras pessoas que se pareciam comigo. Pessoas que ao invés de esconderem suas características próprias, buscavam conhecê-las.
Neste processo gradual “bati muita cabeça”, mas também muitos papos com gente interessante e interessada que já tinha mais experiência que eu.  Fui em busca de conhecimento mesmo! No início, desafiei-me a deixar meus “pés na África”, minhas raízes, crescerem um pouquinho só. Cada vez com menos química. Até então, eu nunca tive a possibilidade de conhecê-las de verdade. A partir daí, quando tocava minha “nova” cabeça percebia que meus cachinhos eram pequeninos, fininhos, sensíveis. Aqui parece lúdico, mas na prática o começo não foi moleza não! Tive  nervoso, medo, não sabia como cuidar. Parecia que eu não era mais a mesma, não me reconhecia. Achava que as pessoas não iam mais gostar de mim. Os homens então, ih!… esses não iam me querer mesmo!  Mas, com o tempo, sempre aos poucos, meu olhar e minha sensibilidade novamente se transformaram.  Fui percebendo que meus cabelos tinham elasticidade, eram fortes (apesar de bem sensíveis), com uma cor em tom castanho escuro bem definido. Eram as minhas molinhas!!!  A partir deste estado de fofura e compreensão, as coisas realmente começaram a mudar na minha estética. Muitas águas rolaram.  Mas me mantive sempre em busca de conhecimento, de informação, de conversar com pessoas amigas que entendiam do assunto. No desafio constante de criar novas referências. Uma nova identidade.
Aos poucos comecei a perceber que o olhar das pessoas para mim era realmente outro. Meu cabelo novo começava a gerar curiosidade. E através desta “mera” curiosidade, ou interesse, eu começava a ganhar a oportunidade de expressar meus pensamentos sobre uma experiência que muitas mulheres negras vivenciam cotidianamente ao acordar e se olharem no espelho: o que faço com este meu cabelo que não gosto?
Voltando a cena no metrô. Contei para aquela mulher jovem, negra, o que eu tinha feito para ‘deixar meu cabelo assim…’, ou seja, crespo, natural, solto. Contei a ela com um pouco mais de detalhes o que compartilhei com vocês agora. Deu tempo da estação dela chegar, nos despedirmos e ela ir embora com a cabeça cheia de pensamentos sobre o que tinha acabado de ouvir. Nunca mais a vi. Foi realmente um único e inesperado encontro, curto, mas intenso. Que me fez reencontrar comigo mesma em tempos diferentes numa conversa aparentemente trivial sobre cabelos. Aparentemente, porque a partir daquele instante, percebi que meu cabelo tinha se transformado novamente. Ele tinha virado política."



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